O Impacto Cultural do Teenage Dream

Jefferson Ricardo
9 min readAug 24, 2020
Capa do álbum Teenage Dream, uma pintura em tela feita por Will Cotton. Foto: Reprodução

Em 24 de agosto de 2010, Katy Perry lançava seu segundo álbum de estúdio: o Teenage Dream. Gravado entre outubro de 2009 e abril de 2010, o álbum conseguiu consolidar o nome da artista dentro da indústria fonográfica e lhe dar o título de hitmaker. Atualmente é o disco feminino mais vendido da história, além de possuir também a música interpretada por uma mulher mais vendida no mercado americano: Firework. Mas muito além do sucesso comercial, o disco se eternizou como um clássico da música pop e ícone do imaginário coletivo.

O antecessor

Antes de lançar o Teenage Dream a Katy já havia lançado dois outros discos: um álbum gospel (Katy Hudson — 2001) e um álbum de pop-rock (One of The Boys — 2008). Vamos focar no último, já que ele é mais relevante para a carreira artística da mesma. One of The Boys foi o primeiro disco de música secular da Katy Perry, já que mesma era filha de pastores e desde cedo só podia escutar e cantar músicas cristãs.

Capa do One of The Boys, álbum de estreia da Katy. Foto: Reprodução

Anos antes do lançamento deste álbum (2008) a cantora já havia tentado se lançar na indústria da música, tendo recebido inúmeras respostas negativas. Só depois de fechar contrato com a Capitol Records, ela enfim pode realizar o sonho de um álbum solo.

O One of The Boys conseguiu um resultado comercial satisfatório, emplacando hits como I Kissed a Girl e Hot N’ Cold. A crítica especializada também rendeu muitos elogios ao álbum, assim Katy Perry surgia como uma possível promessa na indústria musical.

Entre o público, o disco também foi um sucesso. A imagem de garota rebelde que beijava outras garotas, conseguiu fazer o burburinho necessário para gerar interesse do público-alvo da Katy: os jovens e adolescentes. Com toda essa aclamação, a expectativa acerca do sucessor de One of The Boys era imensa.

O nascimento do Teenage Dream

Ainda durante a turnê do disco One of The Boys a cantora começou a trabalhar no seu próximo CD. A equipe de produção era enorme e contava com nomes importantes da indústria como Max Martin (que continua colaborando com a Katy até hoje) e Benny Blanco.

Em uma entrevista, Katy contou que o novo projeto musical tinha fortes inspirações nos grupos musicais ABBA e The Cardigans. Ela também contou um pouco sobre a ideia que ela tinha do álbum:

Eu realmente quero que vocês se apaixonem por mim, quero estar nos seus sonhos adolescentes (…) a gente cresce e esquece como é se apaixonar pela primeira vez, quero que quando ouçam o álbum sintam aquela sensação de primeira paixão.

A estética do álbum

Um dos pontos mais recordados da era foi justamente a identidade visual trazida pelo álbum. Levando ao pé da letra a ideia de um “sonho adolescente”, a Katy preencheu o visual do disco com um colorido jovial, doces e figurinos extravagantes. O foco era representar as características da adolescência como idealismo romântico, uma certa inocência, doçura, ingenuidade, etc.

Umas das pinturas feitas pelo Will Cotton durante a busca do conceito para o álbum. Foto: Reprodução.

A capa resume muito dessa ideia. Por sinal, uma curiosidade interessante é que ela não é uma fotografia (ao contrário do pensamento de muitos), mas sim uma pintura em tela do artista Will Cotton. Ela mostra a Katy Perry nua envolta em uma nuvem de algodão doce, demonstrando a dualidade da adolescência: o desabrochar de uma sensualidade emergente, envolta em uma ingenuidade ainda existente.

A persona da California Gurl

California Gurl, persona encarnada pela Katy durante a era. Foto: Youtube

A imagem pessoal da Katy também teve de se adequar a estética do novo disco. Se no disco anterior a imagem da cantora era de uma menina rebelde, no Teenage Dream ela foi transformada em uma menina ingênua, irreverente e sensual. Ela encarnava assim a persona da California Gurl, nos vídeos e nas performances ao vivo ela usava perucas coloridas e roupas mais sensuais.

O poder visual dessa persona foi tão impactante para a carreira da Katy que se manteve durante muito tempo no imaginário coletivo. Inclusive para divulgar o lançamento de Roar o lead single do Prism (álbum que sucedeu o Teenage Dream e que trazia um amadurecimento artístico e pessoal da artista), a Katy divulgou um vídeo promocional no qual ela assistia o enterro da California Gurl.

O lançamento

O lead single do Teenage Dream foi a parceria entre Katy Perry e Snoop Dog, California Gurls. Que logo se tornou o hit do verão 2010 nos EUA, título semelhante ao hit do Carnaval no mercado brasileiro. A música que exalta as garotas californianas é na verdade uma resposta a Empire State of Mind do JAY-Z e Alicia Keys (música que exalta o estilo de vida nova-iorquino), já que a Katy achava injusto não existir uma música que exaltasse seu estado natal: a Califórnia.

O álbum estreou no #1 da Billboard Hot 200, ranking que mede o desempenho comercial dos discos no mercado americano. O álbum também dominou as rádios americanas, porém, se assim como eu, você viveu os anos de 2010/11 sabe que o álbum tocava o tempo todo por aqui também. Apesar da aclamação popular e do sucesso nas vendas, o álbum recebeu muitas críticas negativas que o consideravam raso e apenas mais um álbum pop. No Metacritic, site que reúne críticas de diversas revistas especializadas, a pontuação do álbum é 52/100, ou seja, do total de cem pontos possíveis ele conquistou apenas cinquenta e dois.

O conteúdo lírico: uma ode à juventude

O conteúdo lírico do disco é extremamento coeso com a proposta a ele atribuida. O Teenage Dream é na verdade uma grande ode à juventude, ele retrata vivências comuns a este período da vida. Temas como amor, sexo, autoaceitação, empoderamento, festas e diversão são recorrentes nas letras das canções do álbum.

As letras do álbum retratam um estilo de vida jovial e adolescente. Foto: Reprodução

As letras do Teenage Dream são simples e costumam ficar tocando na mente de quem escuta, talvez esteja aí a resposta para o sucesso estrondoso do álbum. Também é notável a genialidade e a irreverência na forma de escrever as letras, que apesar de muitas vezes tratarem de temas explícitos ainda assim conseguiam soar um tanto inocentes (exemplo é Peacock, música adorada pelos fãs da cantora e que faz uma alusão clara a pênis no seu coro). Contudo, não se pode negar o fato de a cantora ter conseguido trazer também temas mais fortes e complexos (que fogem do ideal de imaginário adolescente) como por exemplo em Circle of The Drain, em que ela fala sobre o relacionamento com um dependente químico. Na faixa Pearl, ela canta sobre uma garota que tem seu brilho ofuscado por seu parceiro (os fãs relacionam a letra ao relacionamento abusivo entre Rihanna e Chris Brown, já que a Katy sempre foi muito próxima da cantora). Já em Not Like the Movies, faixa que encerra o álbum, ela foge do idealismo romântico ao falar que o amor não é igual aos filmes.

Desempenho Comercial

Katy recebendo o Billboard Spotlight Award em 2012. Foto: Reprodução

Tendo em vista toda a identidade que a Katy decidiu dar ao seu trabalho, não era de se espantar que o álbum conseguisse se conectar com os fãs adolescentes e até os não adolescentes (já que o álbum reflete uma nostalgia da adolescência da própria artista, que pode muito bem ser sentida por quem escuta o álbum).

Sendo assim, o sucesso foi gigante. Todos os singles do disco, com a exceção de The One That Got Away, foram parar no topo da Billboard. Esse feito fez com que Katy se tornasse a primeira mulher e única artista, desde Michael Jackson, a ter cinco singles #1 na Billboard em um mesmo álbum. Os singles do Teenage Dream também conseguiram o feito de passar 225 semanas dentro da Billboard Hot 100. Por isso a Katy Perry ganhou em 2012 o Billboard Spotlight Award, prêmio especial oferecido apenas a Michael Jackson (atualmente ela é a única artista viva a possuir esse prêmio).

O relançamento: “Teenage Dream: The Complete Confection”

Capa do relançamento do Teenage Dream. Foto: Reprodução

Em 23 de março de 2012, a Capitol Records relançou o álbum adicionando uma versão acústica de The One That Got Away, três músicas inéditas, duas parcerias com o Kanye West e a Missy Elliot e seis remix adicionais.

Nas músicas inéditas percebe-se um amadurecimento da Katy (que iria culminar no Prism), em especial nas faixas Part of Me e Wide Awake. Em Part of Me, por exemplo, ela fala de relacionamentos que destroem, porém nunca irão mudar a essência dela. Esse amadurecimento muito se deve ao divórcio com o Russell Brand, que pediu a separação por mensagem de texto enquanto ela estava em turnê (aqui no Brasil, inclusive).

Ambas as músicas estrearam no topo da Billboard Hot 100, sendo Part of Me em #1 e Wide Awake em #2. Assim ela chega a 6 singles da mesma era chegando ao topo da Billboard, mais um feito inédito. As duas faixas ganharam videoclipes, cabe aqui destacar o clipe de Wide Awake que é extremamente pessoal e é uma metáfora para a pressão da mídia sobre a vida da cantora.

O impacto cultural do Teenage Dream

Depois de anos de seu lançamento, várias revistas que haviam feito amargas críticas ao álbum revisaram seu posicionamento. Por exemplo a Billboard, que escolheu Teenage Dream (o single) como uma das canções da década. A Slate tentou até explicar o sucesso da canção com teoria musical.

O Teenage Dream é com certeza uma pérola do pop. Foto: Reprodução

Sem sombra de dúvidas, o Teenage Dream entrou para história como um dos maiores discos da década de 2010. Além de representar um marco recente na música pop americana. E óbvio, o impacto no coletivo também é significativo. Se você era adolescente (ou no mínimo estava vivo) durante o lançamento do álbum e dos singles deve lembrar de alguma música da era.

Muitas festas do começo da década foram embaladas ao som de Last Friday Night (T.G.I.F.) e California Gurls. Muitos adolescentes encontram forças nas letras sobre empoderamento de Firework, que fala sobre se aceitar e encontrar sua própria luz. A videografia da era Teenage Dream também entrou para o imaginário pop, como por exemplo a cena na qual Katy Perry solta chantilly pelos peitos em California Gurls ou toda a produção do clipe de Last Friday Night (T.G.I.F.) que o faz parecer bastante com um curta-metragem.

O Teenage Dream inclusive influenciou o trabalho de outros artistas. A Lorde, cantora de um nicho musical totalmente diferente da atmosfera do álbum, já falou em entrevistas que “há algo santo” na faixa Teenage Dream e que ela foi uma das inspirações para escrever seu álbum Melodrama (que por sinal, também fala sobre vivências adolescentes).

Cena do videoclipe de Last Friday Night (T.G.I.F.). Foto: Reprodução

Parte da magia e do contínuo fascínio e consumo do álbum é justamente a ideia universal da juventude, explorada pelo disco. Se antes nos conectávamos com o álbum porque éramos adolescentes e estávamos vivenciando as experiências ali cantadas, hoje o sentimento ao escutar o álbum é nostalgia. É a saudade deste período que nos faz continuar apreciando este trabalho (saudade que provavelmente motivou a escrita do álbum, já que a Katy tinha 24 anos quando lançou o álbum). E aí, você já matou a saudade da sua adolescência hoje?

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Jefferson Ricardo

Jornalista | Trabalho no @jc_pe | Trabalhei na @folhape e no @tracklist