A Neutralidade Suíça: entenda o que é

Jefferson Ricardo
5 min readJul 12, 2020

Pouca gente sabe, mas a Suíça é um país oficialmente neutro desde 1814, período das Guerras Napoleônicas. O que significa que o país não participou dos grandes conflitos que assolaram a Europa no século XIX e XX. E foi justamente por isso que o país, enclausurado entre os Alpes e cercado por todos os lados de grandes potências europeias, sobreviveu às duas Guerras Mundiais e a Guerra Fria intacto.

Mas o que significa ser neutro?

Segundo as relações internacionais, um país neutro é um território que não toma parte de conflitos. A maioria dos países costumam definir sua neutralidade para conflitos específicos, ou seja, decidem apoiar ou não algum dos lados em determinado conflito de acordo com seus interesses particulares.

No entanto, existem países que adotam uma política oficial de neutralidade permanente, independente do conflito. Esses estados recebem, de acordo com a lei internacional, o título de estados neutros ou países neutros. Ou seja, não tomam lado em conflitos internacionais e consequentemente não podem ser agredidos por nenhum dos lados beligerantes do conflito.

Ao longo da história existiram diversos países que declararam-se neutros. Por exemplo, a Bélgica que desde 1839 considerava-se neutra e que apesar disso teve seu território invadido e anexado pela Alemanha Nazista. Mas se existe um país que manteve sua neutralidade e sua autonomia, mesmo em contextos tão adversos como a II Guerra Mundial, foi a Suíça.

Então o que a Suíça tem de tão especial?

Mapa da Europa mostrando a Suíça e os países com a qual faz fronteira. Photo by Anthony Beck on Pexels.com

Não que Hitler nunca tenha cogitado invadir o vizinho do sul (já que parte do país fala alemão e se identifica com a cultura germânica), porém a empreitada militar foi tida como muito cara e desnecessária. Isso porque a Suíça é um país altamente preparado para defender-se contra ameaças externas, o que tornaria a invasão muito mais complicada que as já executadas pelo III Reich em outros países do continente europeu.

Em sua maioria os países tidos como neutros, costumam ter um corpo militar pequeno ou até a inexistência de um. A Suíça segue o caminho oposto, possuindo forças armadas e serviço militar obrigatório para homens (mesmo que não participe de conflitos internacionais, apenas missões de paz promovidas pela ONU). No entanto, a dificuldade de invadir a Suíça não estava em sua força militar, muito pequena se comparada com a Werhmacht (forças armadas da Alemanha Nazista), mas sim em seu relevo e (pasmem) em explosões de pontes.

Os Alpes: a muralha suíça

Photo by Jairph on Unsplash

A Suíça é um país montanhoso e sempre soube usar isso ao seu favor. Os Alpes representam uma dificuldade extra para qualquer agente estrangeiro que queira subjugar o país. Sua fronteira sul, com a Itália, é basicamente toda definida nos picos dos Alpes.

Durante a II Guerra as montanhas separavam a Suíça da Itália Facista. Dificultando assim qualquer intento possível de invasão por parte de Roma.

Contudo as montanhas não representavam apenas um obstáculo, mas também uma salvação. Caso a invasão viesse pelo norte (ou seja da Alemanha Nazista), região esta que não possui cadeias de montanhas, a ideia é que a população buscasse as montanhas como refúgio e de lá pensassem em uma tática de defesa. A prova disso são os inúmeros bunkers que se espalham por entre os picos das montanhas, todos equipados com armamentos e itens básicos de sobrevivência.

Outro aspecto topográfico importante fica na fronteira Suíça-Alemanha que possui parte de sua extensão definida por um dos maiores lagos da Europa, o Bodensee (conhecido como Lago Constança). Ou seja, caso as tropas alemães decidissem vir por água, os suíços teriam tempo para pensar em táticas de defesa (já que seriam alarmados por um aumento na movimentação de embarcações militares nazistas no lago).

Mas e as pontes que explodem?

Outro fator que dificultaria uma invasão, bastante curioso diga-se de passagem, é que muitos dos acessos terrestres (pontes, estradas e ferrovias) entre a Suíça e outros países possuem explosivos. Isso aí, em caso de ameaça externa, os suíços podem explodir os acessos ao país, consequentemente dificultando a invasão estrangeira.

Contudo esta estratégia de defesa criada no período da Guerra Fria, para se defender de uma possível invasão soviética, vem sendo gradualmente desmantelada pelo governo suíço. Em 2014, por exemplo, foram retirados os últimos explosivos que estavam instalados em uma ponte na fronteira Suíça-Alemanha.

E assim a neutralidade suíça se manteve

Pelos fatores já antes citados, além de uma política oficial e permanente de manutenção da neutralidade suíça, custe o que custar, e um pensamento compartilhado pelo povo suíço de que ser um país neutro é vantajoso para os seus interesses como nação, a Suíça permanece neutra.

Isso faz com que o país, por exemplo, não faça parte de tratados militares como a OTAN (que reúne todas as potências do ocidente). A Suíça também não faz parte da União Europeia (pois esta possui uma política externa comum para todos os membros), sendo apenas participante do Espaço Schengen (acordo que permite a livre circulação de pessoas entre os países da Europa).

Ademais, a mesma só tornou-se parte integrante da ONU em 2002 (depois até da Coreia do Norte, que entrou ainda em 1991), sendo que todos os países que entraram após ela sequer existiam antes de ingressarem no órgão (Montenegro, por exemplo, só entrou na ONU em 2006, justamente por que não existia até o ano citado).

Mas neutralidade não significa inocência

Essa é uma questão que precisa ser abordada. Apesar de os suíços se orgulharem bastante de sua política de neutralidade, fazendo com que pareça que o país esteve alheio a todas as atrocidades da II Guerra, é falso o argumento de que o país não esteve operante no conflito.

Não sendo parte beligerante, a Suíça possuia o papel de abastecedor na guerra. Muitas empresas do país mantinham contratos com governos e empresas privadas de ambos os lados combatentes. Ou seja, a Suíça negociava tanto com o Eixo (Alemanha Nazista, Itália Facista e Japão) como com os Aliados (países democráticos do Ocidente e URSS).

No entanto, vários estudiosos questionam um possível favorecimento em relação a Alemanha de Hitler. A Suíça forneceu dinheiro e armamentos que foram amplamente utilizados pelos alemães, além de terem adotado uma política restritiva de asilo que dificultava a fuga de perseguidos (judeus, LGBTs, comunistas, testemunhas de Jeová, dissidentes políticos, etc.) da Alemanha Nazista para o país.

Mesmo com esse e outros episódios que questionam a neutralidade suíça nas relações internacionais, seja no passado ou no presente, a verdade é que a ideia de uma Suíça neutra persiste. A comunidade internacional continua enxergando o país como uma força neutra e internamente 96% da população suíça apoia a neutralidade como política externa do país, de acordo com uma pesquisa da Escola Politécnica Federal de Zurique publicada em 2019.

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Jefferson Ricardo

Jornalista | Trabalho no @jc_pe | Trabalhei na @folhape e no @tracklist